O disparo dos casos de Covid-19 no Brasil reacende uma preocupação entre os oncologistas. Com os hospitais novamente superlotados, e a taxa de contaminação em alta, especialistas temem que pacientes com câncer voltem a interromper os tratamentos no início deste ano.
Um levantamento da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) havia mostrado que, durante a primeira onda da pandemia, 74% dos especialistas da área tiveram um ou mais pacientes com o tratamento postergado por mais de um mês. Já 10% dos entrevistados notificaram queda de 40% a 60% na procura em seus consultórios.
No caso dos pacientes oncológicos, o retardamento dos cuidados – mesmo que em apenas algumas semanas – pode ser determinante para a sua sobrevivência. Um estudo publicado em novembro pelo The British Medical Journal mostrou que, a cada quatro semanas de atraso no tratamento do câncer, as chances de morte aumentam até 13%. Por isso, a recomendação da comunidade médica é que os pacientes não abandonem a terapia neste momento.
“Temos um risco muito grande de aumento de mortos por doenças que poderiam ser tratadas. Os sistemas de saúde terão um grande impacto após a pandemia, com aumento na procura de tratamento. O adiamento vai reduzir significativamente as chances de cura desses pacientes”, alerta Ramon Andrade de Mello, oncologista do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein e professor de oncologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Pesquisadores da University College London calcularam que, apenas na Inglaterra, os óbitos por câncer devem aumentar 20% devido à pandemia. Além das mortes pela própria Covid-19, a maior parte do excedente seria causada pelo atraso nos diagnósticos e tratamentos.
“Os riscos dos tumores oncológicos são maiores do que aqueles da Covid-19. Os hospitais e clínicas adotaram procedimentos para aumentar a segurança desses pacientes”, salienta Mello.
O professor da Unifesp explica que o temor maior é de que o período de interrupção permita que os tumores sofram metástase (que é quando o câncer se espalha para outras regiões do corpo, aumentando significativamente as chances de óbito). “Muitas dessas neoplasias [tumores], quando não tratadas, podem levar à morte em menos de um ano”, alerta.
Segundo apuração do Instituto Oncoguia, exames usados para detecção precoce da doença tiveram queda vertiginosa no último ano. As biópsias, por exemplo, caíram pela metade de março a setembro. No Sistema Único de Saúde (SUS), o número de pacientes oncológicos que iniciaram o tratamento diminuiu cerca de 30% no mesmo período.
Além da dificuldade das unidades de saúde em atender a alta demanda durante os picos da pandemia, a queda também é explicada pelo temor dos pacientes em contrair a doença.
Pesquisadores do Instituto Dana Farber, um dos principais centros de pesquisa e tratamento de câncer do mundo, observaram que a mortalidade pela Covid-19 pode mais que dobrar em pacientes com câncer. Porém, o mesmo estudo constatou que o tratamento com quimioterapia ou outras terapias, quando realizados dentro de quatro semanas após o diagnóstico de Covid-19, não afeta os resultados da mortalidade.
Por isso, os autores do estudo recomendam que pacientes oncológicos com poucas comorbidades devam prosseguir com o tratamento apropriado. A exceção seriam aqueles em estágios avançados, que precisariam avaliar com um especialista sobre “risco versus benefício” da continuidade da terapia.
Já o oncologista da Unifesp lembra também que, para alguns casos, a telemedicina tem sido uma ferramenta importante para acompanhamento e avaliação clínica do paciente: “Ela não atende todas as demandas clínicas. O especialista precisa de consultas presenciais em determinadas fases do tratamento, mas a possibilidade de redução de visitas ao oncologista diminui os riscos da Covid-19”, comenta Mello.
Por Frederico Cursino